sábado, 15 de novembro de 2008

Guantánamo: Obama cumpre o compromisso

Helio Fernandes focalizou o tema na edição de 12/11 desta TRIBUNA DA IMPRENSA, da mesma forma que o "The New York Times" na reportagem publicada sobre o encontro que Barack Obama manteve com o presidente George Bush, na Casa Branca. O presidente eleito deixou claro que entre suas primeiras medidas está a de desativar a prisão de Guantánamo, transferindo os presos que lá se encontram para os Estados Unidos.

Vão ser julgados dentro da lei (sem lei não há civilização), como aliás reivindica há tempos, com intensidade e insistência, a Anistia Internacional, órgão que luta pelo respeito aos direitos humanos. Mas o que desejo acentuar, como escrevi recentemente, é que os compromissos assumidos por um candidato na campanha são cumpridos pelo presidente.

Desativar aquela base foi agora um deles. Retirar as tropas do Iraque até o final de 2009, outro. Nos Estados Unidos, não existe essa de esquecer as promessas. Elas valem antes e depois das urnas. No Brasil, de modo geral, não é assim. Infelizmente para nós. As palavras, aqui, o vento leva. Na América do Norte permanecem na memória.

Esta diferença é essencial para a democracia. O presídio em que Guantánamo foi transformado não é uma expressão democrática. Tampouco a base militar que o governo de Washington lá instalou em 1934, governo Franklin Roosevelt, desvirtuada depois. Era um porto livre para exportação de açúcar no início do século 20. Foi transformado em área de segurança por motivos estratégicos. Inclusive, Guantánamo desempenhou importante papel na Segunda Guerra Mundial, como ponto de combate aos submarinos japoneses e alemães. Mas depois as coisas mudaram. Os EUA não saíram de lá, mesmo com o rompimento de relações em 60, pelo presidente Eisenhower, no final de seu governo.

John Kennedy, eleito naquele ano, ao assinar em 61, manteve a ruptura e também o embargo econômico. Este embargo foi um erro, propiciou à União Soviética adquirir a produção de açúcar da ilha, a pérola das Antilhas, como era chamada, e tentar a penetração comunista no continente americano.

O embargo econômico, por reflexo, ampliou o mercado de açúcar para o Brasil. Mas deu margem à crise dos mísseis em Havana, quase causando um novo conflito mundial. Kruschev, então primeiro-ministro da URSS, hoje Rússia, transportou o armamento para Cuba, direcionando-o para Miami. Kennedy exigiu a retirada. O mundo viveu dias de suspense em novembro de 62. A retirada ocorreu. Moscou trocava Havana pelo afrouxamento da presença americana em Berlim, então dividida nos lados oriental e ocidental.

Não houve uma explosão que poderia ser nuclear. Mas surgiu o que se convencionou chamar de um Novo Tratado de Tordesilhas. A guerra fria tornou-se morna, Estados Unidos e União Soviética estabeleceram uma divisão universal à base de blocos de poder além das fronteiras de seus países. Já existia esta divisão no leste europeu. Sem dúvida. Mas em 1962 ela seria reconhecida tácita e explicitamente de modo mais amplo. O muro de Berlim já estava de pé desde 1961. Somente seria demolido por Gorbachev, em 1989. Uma tragédia. Enquanto isso, Guantánamo permanecia como base militar americana, mesmo contra a vontade de Fidel Castro.

Transformara-se, ao mesmo tempo, numa prova de invasão acompanhada de ocupação. A base militar, com o passar do tempo, perdeu o sentido. Os equipamentos modernos a dispensariam, como de fato aconteceu. Mas eis que há oito anos, início do governo Bush, ela foi transformada numa prisão para terroristas acusados em estranhos e sombrios processos. Não estou querendo dizer que sejam inocentes, mas apenas que é indispensável iluminar as questões.

E que possam se defender ou apresentar suas versões, já que ninguém, tampouco tribunal algum, pode ser ao mesmo tempo juiz e parte. Guantánamo e o Iraque tendem a se tornar emblemas de uma nova era. Ambos são compromissos do presidente eleito. O caso Guantánamo é mais simples. Somente o fim de uma intervenção em território de outro país. No Iraque, o problema é mais complicado. Assim como no Afeganistão. Mas quanto a este país, Obama não anunciou a saída das tropas americanas. Pelo contrário. Do Iraque, disse que sai até dezembro do ano que vem. A questão iraquiana é complexa porque, no fundo, envolve altos interesses de empresas que operam na extração e comercialização de petróleo. Mas não somente isso. A invasão para derrubar e matar Sadam Hussein, um ditador sanguinário, partiu de versões falsas quanto à posse de armas letais químicas por parte de Bagdá.

O tempo encarregou-se de provar que não era nada disso. O que dá margem ao presidente que assume a 20 de janeiro terminar com mais uma guerra malsucedida, a exemplo das que ocorreram na Coréia, de 49 a 53, e no Vietnã, de 62 a 75. Dá margem ao início da construção de uma nova política que coloque em destaque, e não diminua, a imagem dos Estados Unidos no mundo. Sobretudo porque, na minha opinião, não existe um EUA. Existem dois.

O primeiro dentro das fronteiras do país. O segundo, espalhado pela força econômica das empresas norte-americanas instaladas numa série de nações. Presidir os Estados Unidos será sempre extremamente difícil, mesmo sem a guerra fria, porque, às vezes, um Estados Unidos colide com o outro. Política é também a arte de harmonizar interesses econômicos em choque.

Será sempre assim.

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